sábado, 28 de agosto de 2010

O menino que não acreditava em anjos


Miguel tentava, mas não conseguia acreditar em anjos. Acreditava em seres folclóricos, em monstros, em alienígenas, em criaturas místicas, em super-heróis e até em mutantes; mas não em anjos. Garotinhos loiros de cabelos cacheados, que protegem as pessoas, representavam a Miguel uma imagem fantasiosa.

Em Saci-Pererê, ele acreditava. Se Saci-Pererê não existisse, tampouco existiria uma data comemorativa para ele. Se oficializaram 31 de outubro como o dia dele e o país todo concorda com isso, com certeza Saci-Pererê está pulando por aí — trançando as crinas dos cavalos e fazendo com que animais desapareçam subitamente das fazendas.

Em Bicho Papão, ele acreditava. Se Bicho Papão não existisse, os pais não contariam esse tipo de história para os filhos. Se contam e demonstram sinceridade, é para que tomem cuidado com monstros que vivem em armários ou embaixo da cama. Pais nunca mentem — ainda mais sobre uma coisa tão horrenda quanto o Bicho Papão.

Em ETs, ele acreditava. Se os ETs não existissem, ninguém ficaria assustado com as luzes misteriosas no céu ou sinais enigmáticos nas campinas. Se todos se assustam e não conseguem desvendar a origem dessas ocorrências, é porque os ETs executam muito bem o seu papel — de subestimar a mente dos terráqueos.

Em fadas, ele acreditava. Se as fadas não existissem, não haveria motivo para que os dentes amolecessem. Se amolecem e caem é unicamente para manter o emprego das fadas — de trocá-los por moedas, quando colocados embaixo do travesseiro.

Em duendes, ele acreditava. Se os duendes não existissem, as coisas não sumiriam de repente. Se somem e depois reaparecem no mesmo lugar em que foram procuradas milhares de vezes, é porque os duendes estão cumprindo seu ofício — de aprontar com os seres humanos, escondendo seus objetos pessoais por alguns instantes.

Em Papai Noel, ele acreditava. Se Papai Noel não existisse, o Polo Norte já teria derretido por causa do aquecimento global. Se não derreteu e ainda continua bem visto, é graças à magia do Papai Noel — que, quando não é Natal, presenteia a região onde mora com vários sacos de gelo.

Em Coelhinho da Páscoa era mais difícil de acreditar, mas ele acreditava. Nunca havia visto um coelho pôr ovos, mas também nunca havia visto uma galinha botando. Se botava e eram gostosos na hora do almoço, o Coelhinho da Páscoa com certeza também botava seus ovos de chocolate para a hora da sobremesa.

Em bruxos, em vampiros, em zumbis e em lobisomens, ele também acreditava. Estavam presentes na maioria dos livros que ele lia, então não podiam ser ficção.

Miguel ia além: acreditava na verdade, na justiça e na paz mundial. Na bondade, na solidariedade e nos sentimentos. Acreditava no amor e na razão. Mas não acreditava em anjos. E pensando no seu não-acreditar, sobrevoava as nuvens nas quais brincava com seus amigos, Rafael e Gabriel.

Nenhum comentário:

Postar um comentário