sábado, 4 de setembro de 2010

Amoreco, Amoroco


Afirmar que o amor acontece apenas quando tem que acontecer é um equívoco, porque ele não é um acontecimento. O amor vem em libélulas: vaga tranquilamente por aí, até que nós, meros sapos, hora ou outra o abocanhamos com nossa língua comprida.

Não faz muito tempo, uma libélula dourada pousou próxima a mim. Evitá-la seria um erro; consumi-la, também — um labirinto sem saída: ou morreria de fome ou teria indigestão, não tinha outra escolha. (Não há como não amar, nem como amar sem sofrer. Portanto, a dica não é aprender a amar, mas aprender a sofrer.)

Libélulas são criaturas simples; o que elas fazem é que é incompreensível. Complicar a própria vida não era minha vontade, mas, num singelo gesto involuntário, senti pequeninas asas baterem rapidamente no céu da boca. Desmetaforizando a cena, eu enigmaticamente havia me apaixonado.

Da descrição de par perfeito, as palavras (insubestimáveis) tomaram vida e materializaram a pessoa que nem os sonhos foram capazes de inventar. Os fios de cabelo louros — os raios de sol que iluminavam minhas noites. A pele macia e clara — a fofa neve que enfeitava minha paisagem. Os olhos castanho-claros — as amêndoas raras que davam sabor à minha vida.

Do "oi" ao "tudo bem?"; do "qual o seu nome?" ao "que tal um cinema?"; do "adorei o filme" ao "adoro você". A sucessão das frases foi automática, a declaração foi espontânea. A objetividade foi respondida com subjetividade: apenas um sorriso negativamente amistoso e nada mais. O sol se apagou, a neve derreteu, as amêndoas apodreceram.

No balcão de um bar, os três sintomas de uma paixão não correspondida. Sintoma um: o mundo real se torna abstrato, desce um copo para amenizar o surrealismo. Sintoma dois: a ausência da pessoa amada permite a presença da depressão, engole uma dose para submergir as mágoas. Sintoma três: sim, toma três.

Gastrite! À beira de um precipício infinito, insisto em clamar o amor com palavras ocas; entretanto, apenas o eco me responde.

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