sábado, 2 de outubro de 2010

Cabelos Afiados


Ao terminar de pentear os cabelos, notou que um fio rebelde insistia em ficar espetado. Conhecedora das mais diversas técnicas de beleza, ela o enrolou no dedo indicador e, com um puxão, o arrancou.

Sentiu uma dor aguda, mas não foi na cabeça. Olhou para o dedo a tempo de ver a gota de sangue escorrer e cair na pia branca, ao lado do fio recém-tirado. Chegou a pensar que um piolho faminto a tinha mordido, mas isso não seria possível: nunca tivera uma lêndea sequer.

Temendo que estivesse com algum problema de pele que fazia sua derme ficar hipersensível, correu ao dermatologista. O doutor fez uma análise nas mãos da moça e não notou nada errado. Decidiu verificar o couro cabeludo, qual não foi a surpresa quando também se feriu com os cabelos da paciente.

A mulher já tinha tirado as próprias conclusões: fora amaldiçoada! Assim como a Medusa tinha serpentes no lugar dos cabelos, os dela haviam se transformado em lâminas. Decidiu, portanto, que ninguém mais os tocaria — para evitar machucados.

No caminho de volta do médico, notou um rapaz que lhe pareceu um tanto simpático. Querendo jogar-lhe um charme, fez com que os cabelos balançassem no sentido do vento. Infelizmente, alguns fios se encostaram ao rosto, resultando em feios arranhões faciais.

Desembestou ao salão de beleza mais próximo: iria raspar tudo! Estava tão firme na decisão que não se importou com o fato de a cabeleireira, não conseguindo cortar com a tesoura, ter sido obrigada a atender ao pedido com uma motosserra.

Prestes a dormir, olhava-se no espelho e se via careca, a cuca literalmente lisinha. A única lembrança que tinha dos cabelos eram as marcas na bochecha.

Angustiada porque não precisaria mais usar os seus cosméticos de beleza capilar, jogou-os no lixo sem pensar duas vezes.

Foi-se o creme de jaborandi; foi-se o condicionador de babosa; foi-se o xampu de cerol.

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