sábado, 9 de outubro de 2010

Concurso de Matemática


Um verdadeiro gênio da matemática, Alessandra podia ser considerada uma calculadora ambulante; era capaz de resolver em questão de segundos as mais complexas contas do mundo numérico.

O primeiro contato dela com os números foi logo na maternidade, quando tomou mamadeira pela primeiríssima vez. Seus olhinhos de cachorrinho com imensurável energia fixaram no indicador de medidas. Era possível que não se lembrasse, mas, nos primeiros minutos de vida, soube que estava bebendo 30 mililitros de leite.

Ao ficar maiorzinha, aprendeu, ainda na escola primária, a identificar os algarismos arábicos e distingui-los dos romanos. E, assim, ficou perdidamente apaixonada por ambos. Tanto o 1 como o I serviam para mostrar, entre seus gostos, em que lugar a matemática estava.

Em testes de aritmética, era a primeira a realizar todos os exercícios e entregar sua prova, para que o professor colocasse, logo de cara, a nota que nunca mudava: 10. Jamais fora avaliada com uma pontuação menor que dez; podia ser considerada a melhor aluna da cidade.

E foi graças a todo esse prestígio que, no final de sua adolescência, fora convocada a participar de um concurso nacional de matemática, representando o município em que vivia. Tranquila, ela foi de peito estufado e queixo erguido, crente que traria a medalha de ouro para casa.

Nem um pouco ansiosa, ela assistia aos que estavam em sua frente. E não conseguia acreditar como os competidores erravam coisas tão banais, problemas absurdamente fáceis. Isso lhe dava ainda mais confiança de que ocuparia o lugar mais alto do podium na entrega dos prêmios.

Bastou ouvir um dos jurados chamar por seu nome que ela levantou-se rapidamente e dirigiu-se até o centro do palco. A conta que precisaria resolver foi enfim sorteada, retirada de uma urna imensa, com diversos exercícios matemáticos.

Antes de lhe apresentar o cálculo que teria que solucionar mentalmente, o júri se entreolhou e começou a cochichar entre si. Ninguém da bancada cria que tal operação fora escolhida para a lista de exercícios do tão importante concurso, que abrangia todo o país.

O suspense causado pelos realizadores da competição não preocupou Alessandra. Ela tinha certeza que estava altamente capacitada para responder, na lata, o que lhe perguntassem.

— 3x3... — disse o jurado da ponta esquerda, após o regulamento ter sido discutido pela quarta vez e chegarem a conclusão de que, mesmo sendo injusto para com os outros competidores, a conta precisava ser feita.

Sorrindo, ela ergueu a cabeça e preparou-se para responder. Entretanto foi obrigada a fazer uma pausa. O silêncio inesperado e a cara assustada de Alessandra foram responsáveis pelo burburinho entre os presentes. Parecia inacreditável, mas ela não sabia a resposta.

Por pensar ter um cérebro cem por cento ativo, Alessandra nunca estudou tabuada; nunca leu um livro; nunca contou nos dedos; nunca parou para escrever os números naturais.

Jamais colocou data no cabeçalho das páginas; jamais realizou uma chamada telefônica ou usou uma calculadora; jamais mudou o canal para o “Channel Nine”; jamais se esbarrou com uma expressão numérica onde aparecesse o nove.

Todos os dias, ouvia música das oito e meia às dez da noite. Durante o período da manhã, sempre esteve na escola, sendo assim, não teria motivos para consultar o relógio. Quando fez nove anos, para economizar dinheiro, sua mãe colocou sobre o bolo a mesma vela do ano anterior, a de número 8. Por causa desses motivos — e somente desses — a moça desconhecia o carismático número 9.

O tempo de responder à pergunta esgotou-se. A jovem mulher permanecia atônica. Uma ambulância ali presente a levou ao hospital, onde foi diagnosticada a depressão.

Um suicídio fora cometido. E por culpa do médico, que, sem saber o que se passava, o motivo da melancolia, receitou que a coitada tomasse um comprimido antidepressivo... a cada nove horas!

Um comentário:

  1. Parabéns novamente. Você escreve muito bem e, ainda por cima, fazendo uso de um português irrepreensível...

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