sábado, 7 de maio de 2011

Made in China


Londres parecia estar em liquidação. Não era temporada de compras natalinas nem período de queima de estoque, mesmo assim atraía fregueses aos milhares. No décimo nono século gregoriano, imigrantes de diversas etnias traziam nos bolsos a disposição para se tornarem ingleses.

Caminhar na multidão era incômodo, mas valia a pena. Pelo cheiro de carne atomatada que subia dos pratos de macarrões à bolonhesa e penetrava na mucosa do nariz em forma de vapor. Brinde provocante que os restaurantes italianos recém-inaugurados ofereciam aos passantes.

Valia pelo trigo consistente que compunha a massa das baguetes francesas que eram consumidas no chá da tarde. Pela moda original que se formava combinando bata indiana com óculos escuros e casacos.

Pela paz que era liberada só de ouvir o toque dos sinos das sinagogas judaicas. Pela capobol, modalidade esportiva inusitada que misturava a clássica partida de futebol com movimentos africanos provindos da capoeira.

E também pelos produtos comprados pela metade do preço e suposta garantia em dobro de tempo. Irritante para as lojas consagradas, mas lucrativo para o consumidor e, especialmente, para a comunidade chinesa, que ampliava devido a seus ganhos.
Várias culturas, vários mundos. A agitação de todos esses mundos em um só lugar, de uma só vez.

Em meio à correria, todos tinham necessidade de saber a hora, portanto a comunidade chinesa expandiu a produção de relógios de pulso. Os minutos, porém, divergiam. Dois ou três, adiantado ou atrasado, dependia do relógio. Já não se sabia qual era a hora mais correta.

Pensaram que seria melhor se houvesse um relógio principal, a que todos pudessem ter acesso, e dali se faria o horário oficial. O governo não tinha grande verba, mas atendeu ao pedido da maneira como pode. Um telefonema federal e os chineses fizeram um desconto atípico.

A Torre do Relógio foi criada com materiais legitimamente chineses. Depois veio o sino que, de tão belo, recebeu o nome Ben e que, de tão grande, recebeu o adjetivo Big. O Big Ben foi levado até a Torre do Relógio e, na metade do século, badalou doze vezes para sua inauguração.

Os londrinos, portanto, passaram a ter em que confiar para saber as horas. O mecanismo do relógio movia os ponteiros e os ponteiros moviam as ações de cada cidadão.

Até o dia em que uma família de pombos, também migradores, se sentiu cansada de voar e utilizou um dos ponteiros para descansar suas asas. O peso das aves fez o ponteiro descer até o próximo número. O movimento assustou os pombos e adiantou o relógio em cinco minutos.

Foi tempo suficiente para desgraças. Macarrões foram retirados do fogão ainda crus, baguetes não ficaram completamente assadas, lavanderias foram fechadas mais cedo, sinos soaram em desarmonia, jogos foram finalizados antecipadamente.

A família de pombos deixou rompida, desde esse episódio, a credibilidade dos produtos chineses.

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