sábado, 23 de julho de 2011

Cegos


A nova mamãe do pedaço não podia nem imaginar que aquele dia seria um dos piores de sua vida. Não por ser véspera de Natal e o comércio estar supostamente lotado, nem por que passaria mal. Seria um dia ruim, pois ela jamais teria coragem de voltar àquela loja de calçados.

Esperava encontrar, no centro da cidade, um formigueiro de pessoas correndo para lá e para cá, no maior empurra-empurra, desesperadas por uma liquidação numa loja ou por uma promoção em outra. Expectativa frustrada!

As ruas estavam tão vazias como o velho Texas em dia de tiroteio. Ela tivera sorte, porque não precisaria sofrer no meio da multidão nem furar filas utilizando sua filha como objeto para atendimento preferencial.

Sossegada, passava, empurrando o carrinho pelas ruas da cidade grande, cumprimentando os gatos pingados que passavam por ali, hora ou outra encontrava um conhecido. Ao passar em frente à loja de calçados mais famosa da cidade, ficou de boca aberta, olhando a vitrina.

Calçados de todos os tipos: tênis, sapatos, sandálias, chinelos; de todos os tamanhos: do RN ao 52; de todos os materiais: camurça, couro, plástico; e, também, de todas as cores: preto, branco, cinza, marrom, estampado... Era um paraíso para os pés.

Ela não podia ficar sem comprar calçados para si e, por isso, correu em direção à entrada. “Cuidado!”, tentou avisar o vendedor que estava lá dentro. Mas era tarde. Batera a cabeça na porta de vidro.

Após se recuperar da cacetada, resolveu empurrar a porta para abri-la, já que percebeu não ter superpoderes. Finalmente conseguiu entrar. O vendedor começou a lhe mostrar os calçados dos mais simples aos mais sofisticados. Enquanto ela provava milhares, o carrinho do bebê ficou no meio da passagem.

Um outro cliente entrava na loja: um deficiente visual de uma cinquenta anos. Para que pudesse andar pela loja, foi tateando o chão com a bengala, sem perceber que o pedaço de madeira havia se encaixado na rodinha do carrinho da criança.

A moça, fechando negócio com o vendedor, pegou o carrinho para ir até o caixa, a fim de pagar a mercadoria que estava comprando, porém não sabia que a única coisa que pagaria seria o maior mico.

Empurrando o carrinho, não percebeu que o pobre cego estava preso ali. O cego, não querendo soltar a bengala, foi arrastado junto até o caixa. Quando ela, enfim, parou e olhou para trás, viu o homem desencaixando seu bastão, com o qual lhe daria uma bengalada.

Naquele momento, apareceram pessoas de todos os cantos para rir da moça que massageava o segundo galo da sua cabeça.

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