sábado, 26 de novembro de 2011

Cartas de Tati Bitate I - A Jorge Luis Borges



Escola Municipal Professora Helena Amaral, 06 de junho de 2011.

Caro senhor Jorge Luis Borges:

¡Buenos días!
(Vocês, argentinos, falam bom-dia no plural porque as cartas levam vários dias para chegar ou é para que os dias sejam bons desde o recebimento desta até a chegada da próxima carta?)

Escrevo de uma cidade pequena, no interior do Brasil, e tenho 11 anos, por isso estou na sexta série. Sei que é estranho uma pré-adolescente escrever para você assim, do nada, mas sabe o que é? É que a professora pediu para que escolhêssemos uma pessoa que admirássemos e que escrevêssemos uma carta com ela sendo o destinatário. Então, escolhi você.

Minha professora de português, a propósito, deve ser parenta sua. O nome dela é Graziele Maria Borges, ou seja, vocês têm o mesmo sobrenome. Se eu fosse você, dava uma olhadinha na árvore genealógica porque acho que seu tataravô também foi tataravô dela.

Quando contei que iria escrever a você, ela riu. Perguntou como é que eu iria remeter uma carta para alguém que já morreu, mas aí eu falei que, como você é mestre de literatura fantástica e na literatura fantástica tudo pode, ia dar um jeito de receber estes meus parágrafos, esteja no céu ou num outro lugar para onde vão os inventores de histórias.

Para começar, já peço desculpas por não escrever em castelhano. Acontece que, como eu ainda não tenho aulas de espanhol, não sei como falar sua língua. Aqui, a questão das aulas de espanhol nas escolas públicas já virou polêmica: todo ano dizem que vai ter, que é importante para o estudante brasileiro conhecer esse idioma, que é a língua oficial da América Latina e do Mercosul, mas as ideias nunca saem do papel. Sorte que isso, agora, não é problema porque, genial e poliglota como você é, pode muito bem me entender em português.

Dizem que sou muito nova para conhecer você, que ainda não tenho idade para ler o que deixou escrito aqui na terra. Só que eu gosto, né, fazer o quê? Ontem mesmo, eu estava lendo um poema seu: O Suicida. Lá falava que quando você morresse levaria junto a soma do intolerável universo. Sabe que eu acho que isso aconteceu de verdade?

Eu nasci bem depois da época que você morreu, mas meus avós e até meus pais viveram nesse passado. Eles não cansam de contar que o mundo, naquela época, sim, era maravilhoso, mas que agora está acabado. Tá vendo só? Suas palavras funcionaram, você estava certo! Depois que você morreu, o universo também abandonou sua vida, e hoje vegeta. Posso dizer que sou o tal ninguém a quem você comenta que deixaria o nada.

A gente, aqui da escola, já fez diversas campanhas e vive apresentando trabalhos sobre como salvar o mundo. Mas, como as aulas de espanhol, tudo não sai do papel. Infelizmente, quase ninguém leva a sério aquilo que planeja. Eu sou raridade. Dou o melhor de mim porque sei que um pinguinho de tinta hoje é uma obra artística amanhã. Ah, como queria me tornar uma pessoa tão importante para o mundo como você foi, fazendo com que as palavras, mesmo estando no papel, repercutissem de forma esplêndida, marcante e imortalizada... Quem sabe, um dia, chego lá?

Agora, vou ter que parar por aqui porque já cheguei ao limite de linhas que a professora pediu. Tentarei fazer com que esta carta chegue até você, seja por meio do correio fantástico ou da belíssima imaginação. O importante é não deixar que estas palavras morram no papel.


Um beijinho cordial da sua jovem leitora,
♥♥♥ Tati Bitate ♥♥♥

Nenhum comentário:

Postar um comentário