sábado, 17 de dezembro de 2011

Cartas de Tati Bitate IV - A Hitler



Barriga da minha mãe, 28 de junho de 1999.

Senhor Hitler:

Já ouvi falar muito de você. De fato, ainda não tenho acesso às coisas terrenas, mas posso garantir que sei de muita coisa e conheço muita gente, por meio das milhares de informações que recebo pelo cordão umbilical.

Sou um feto de oito meses e estava tudo muito tranquilo até agora. Meu nascimento está previamente agendado para o mês que vem, mas confesso que sinto muito medo. Não medo da vida, e sim da morte.

Durante toda minha gestação, minha mãe acompanhou suas façanhas de aniquilação de negros, exílio de judeus, destruição de todos aqueles que não fossem da sua raça e não seguissem seus mandamentos.

Até este momento, porém, toda a tirania realizada por você não me atingiu, visto que moro no Brasil e seus massacres se limitaram à região europeia. Agora é que fico preocupada, pois, no telejornal que minha mãe assistia ontem à noite, revelaram suspeitas de que você está morando na Argentina, que é pertinho de onde eu moro.

Quando captei essa notícia no umbigo, tive uma hipotermia. Se já tivesse cabelo, teria perdido vários; se já tivesse dentes, os teria rangido. Mesmo assim, tentei não entrar no desespero.

Desde que ainda era um embrião, tenho em mim que a melhor coisa é uma conversa, um diálogo, mas como é impossível de eu fazer isso com você, escrevo esta carta telepática, que mentalizo fortemente para chegar até seus neurônios.

Gostaria de dizer que não serei loira, nem terei olhos azuis, mas quero uma chance para viver. Peço para que me dê essa oportunidade de respirar o ar que há fora do útero e crescer quietinha no meu canto, sonhando em meu futuro quarto de menina.

Sei que no fundo de toda essa carranca bate um coração que é fã de crianças. Por isso, pense com carinho no meu pedido.


Saudações amnióticas do ainda feto,
♥♥♥ Tati Bitate ♥♥♥

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