sábado, 31 de dezembro de 2011

O invejoso de pelos



A coisa mais triste dos meus 14 anos foi eu não ter tido pelos nas axilas. Os garotos da mesma idade carregavam até os primeiros vestígios de barba e bigode, mas eu não tinha um reles fiapo debaixo do braço.

A importância dos pelos nas axilas para um menino é maior do que a de passar de nível no videogame ou beijar a mais sensual da escola. Nada deixa um adolescente mais másculo e confiante do que os pelos nas axilas — pelos para serem exibidos com o levantar de braços em comemoração ao fechamento do The Prince of Persia XIII; pelos para fazerem cócegas no ombro da namorada durante um abraço de praia.

O mês de março foi o que mais me irritou, pois os outros garotos iam para a escola de camiseta sem mangas, todos orgulhosos com seus pelos de causar inveja. Alguns pretos, outros loiros, outros ruivos, dependendo da genética, mas todos rigorosamente debaixo do braço. A situação só piorava nas aulas de educação física, quando montavam disputas (time com camisa versus time sem camisa) — sempre fui do com camisa — e dois ou três expunham até os pelos que lhes enfeitavam o abdome.

Antes de dormir, eu rezava para meus hormônios — cada um com sua crença. Rezava para que agissem rápido, que não ficassem preocupados apenas com as espinhas, pois essas eu nem queria. E assim sonhava, sonhava toda noite com cabelos de Rapunzel saindo de minhas axilas, formando tranças de dois metros que eu fazia questão de desfilar. Mas, quando acordava e ia para o banho, não encontrava nada ao erguer os braços. Procurava com fé, chegava bem pertinho do espelho, mas a única coisa parecida com pelo que, às vezes, aparecia era algum felpo de cobertor.

Minha obsessão por pelos nas axilas estava virando neurose e, para evitar problemas depressivos, me fiz entender que não era o único que passava por esse problema, que deviam existir outros garotos que tampouco tivessem axilas peludas. Então, comecei a reparar. Quando o garoto estava de camiseta regata, era fácil notar, mas quando havia mangas, era necessário improvisar uma estratégia: espiar dentro da roupa assim que ele esticasse um dos braços. Fiz isso com dezenas de colegas e procurei milhares de fotos na internet, mas sempre havia um pelinho ou dois para fazer chame.

Parei de investigar. A essa altura, já tinha feito 15 e só usava manga longa, além de recusar quaisquer convites à praia, à piscina ou outro lugar onde as axilas pudessem ficar à mostra. Sabia que, se uma pessoa me visse, logo comentaria: “Alá o carinha sem pelo no sovaco!”, por isso, nem por decreto, eu abria mão da blusa de frio. Podia estar o sol que estivesse que o moletom marcava presença.

Suava exageradamente, mas era essencial para manter o triste segredo. Para evitar o mau cheiro, abusava do desodorante e, num dia de troca de marca, uma coceira começou. Coçava de um lado; coçava do outro. “Maldito desodorante novo!” Coçar por cima da roupa parecia aumentar o desconforto. “Maldita alergia!”. Assim que pude finalmente chegar em casa, disparei ao banheiro e joguei tudo para o ar: boné, blusa de frio, camiseta de manga longa... As axilas precisavam das unhas, uma coçada de verdade, e o alívio logo surgiu.

O braço esquerdo levantado louvava a mão direita que lhe arranhava, e louvava a surpresa que o espelho traria em seguida: pelos. Pelos nas axilas! Conferi a outra e também estavam lá. Eram novos, eram finos, eram claros, mas eram pelos. Minha prece fora atendida.

Toquei e os alisei como se fizesse um cafuné axilar. Não via a hora de tirar a regata do armário, vesti-la e sair pela cidade, mostrando à metade da população que eu já era homem, que tinha axilas peludas, mas me contive. Certamente, haveria algum jovem louco que ficasse reparando na axila alheia em busca de alguém que compartilhasse sua dor, ou seja, um invejoso de pelos. Recoloquei a camiseta, recoloquei a blusa de frio, recoloquei o boné. Os meus pelos, ninguém cobiça.

3 comentários:

  1. Cara, gostei da sua historia! Muito Interessante. E não posso deixa de reparar que vc narra muito bem! Mas afinal, como esta hoje? Ja esta lotada de pelos suas axilas?
    edniltondantas@hotmail.com
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  2. KKKK... Ótima narração! Parabéns. Mas a minha dúvida é a mesma do Ednilton: e aí? Como tá hoje? Rsrsrs...

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    1. Oi, Emerson! Obrigado pela leitura. ^^
      Acho que o último parágrafo da crônica dá um resumo sobre a atual situação do personagem, né? ;)

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