sábado, 22 de setembro de 2012

Vida de Pedra



Desde que me conheço como pedra, percebo que não exerço bem essa função. Evito ao máximo atrapalhar, incomodar ou dificultar as coisas. As pessoas é que se atrapalham, se incomodam, dificultam tudo comigo.

Minha primeira experiência marcante foi quando eu ainda morava em uma caverna. Ali também vivia um homem barbudo, já de meia idade. Ele havia conquistado sua primeira amada, com a qual provavelmente se casaria e procriaria. Estava tão feliz que fez uma pintura rupestre sobre a família que sonhava em ter. Fui usada para registrar uma das maiores alegrias da vida de um homem.

Mais tarde, um grupo de trogloditas começou a me quebrar até me deixarem com um tamanho fácil para carregar. Do lado de fora, vendo pela primeira vez a luz do sol, senti lapidarem de um lado e de outro. De repente, me jogaram ladeira abaixo e rolei como se rola uma boa roda. Estive presente na maior invenção da época.

Depois de terem me utilizado por bastante tempo, não aguentei tanto impacto e me parti ao meio, o que me fez ficar isolada e sem utilidade naquele momento. Porém, com a chegada do período glacial, servi de abrigo para diversos insetos da era do gelo.

Séculos depois, tive as partes separadas. A distância entre mim e eu mesma foi um sofrimento necessário. Um lado foi trabalhado e utilizado como banco para a plateia do teatro grego se sentar; o outro participou da formação de um lindo palácio. Infelizmente, este foi explodido e o meu pedaço se desmanchou no ar.

Eu, o lado sobrevivente, continuei sendo útil por gerações. Participei inclusive da escravatura, aprisionando escravos. Confesso que não me orgulho desse meu feito.

Muitos anos depois, olharam para mim e enxergaram arte. Levaram-me para que eu fosse esculpida. Poliram daqui; poliram de lá. Ao terminarem, descobri que a arte vista em mim era a poesia. Protagonizaria diversos poemas a respeito da morte.

Meu destino foi virar lápide — pela minha eternidade de pedra, uma eternidade que pode ter um fim inesperado.

Durante o dia, as pessoas choram sobre mim. Após o pôr do sol, eu é que entro em prantos sem entender por que eu, que sempre fui a favor da felicidade, me tornei responsável por tanta tristeza. Certamente, não tenho um coração que condiz com a minha imagem.

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